Superfaturamento em hotéis e falta de acessibilidade para povos indígenas na COP30

Superfaturamento em hotéis e falta de acessibilidade para povos indígenas na COP30

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Por Millena Oliveira

Com a proximidade da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas(COP30), marcada para novembro deste ano em Belém, os preços de hospedagem na capital paraense têm assustado participantes, organizadores e autoridades. Diárias que antes giravam em torno de R$ 300 a R$ 500 agora ultrapassam os R$ 200 mil, com pacotes de 11 dias chegando a custar mais de R$ 2 milhões em plataformas como o Booking e o Airbnb. A explosão nos preços traz consigo alguns questionamentos sobrea capacidade do estado em sediar o evento.

A elevação acentuada dos preços também provocou reações no setor privado. Eduardo Bandeira, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), reconheceu que a demanda excepcional influenciou o mercado, mas defendeu moderação. Em entrevista à Revista Exame, afirmou que “a procura inesperada resultou em aumentos que, em alguns casos, ultrapassam os limites do razoável”.

A fala de Bandeira expõe uma preocupação crescente com os efeitos colaterais da intensa movimentação no setor turístico, especialmente em períodos de alta demanda. Embora o aquecimento do mercado seja bem-vindo após anos de retração, os preços excessivos podem comprometer a experiência dos visitantes e afetar negativamente a imagem dos destinos mais procurados do país. No entanto, para além dos impactos sobre o turismo, a alta demanda por locações durante eventos como a COP revela uma exclusão silenciosa. Mais do que pensar na experiência individual do turista, é preciso atentar para uma questão estrutural: a acessibilidade e a inclusão social em destinos que sediam debates relevantes, como é o caso de Belém. A cidade enfrenta o desafio de organizar políticas e estratégias garantam o desenvolvimento do turismo, a sua democratização e inclusão social.

Para o líder indígena Zeca Gavião, a COP30 está sendo tratada como um grande evento global, mas sem levar em conta quem realmente vive na Amazônia. “O Brasil está só cedendo o espaço. A Amazônia virou palco, mas não foi chamada pra montar o roteiro”, afirma. Ele critica a falta de protagonismo dos povos indígenas na construção do encontro e defende uma participação ativa das lideranças locais. “Nós somos os verdadeiros anfitriões dessa terra. Não dá pra ficar de fora das decisões. Precisamos estar organizados, ocupando espaço, falando por nós mesmos. É a nossa vida que está em jogo.” Para Zeca, a presença indígena deve ser pensada com estratégia, garantindo representatividade em todos os setores da conferência. “A gente quer falar, mas também quer ser ouvido de verdade.”As declarações de Zeca Gavião revelam uma realidade marcada pelo receio de que os povos indígenas sejam reduzidos a um papel meramente simbólico e submisso durante o evento, ao invés de ocuparem um lugar de protagonismo real nas decisões que impactam diretamente seus territórios.

O Cacique Piná Tembé, liderança da aldeia Itwaçu do povo Tembé destaca a
importância de uma participação efetiva dos indígenas tanto na Zona Azul, onde
ocorrem as negociações oficiais, quanto na Zona Verde, que receberá um público mais
amplo, incluindo as comunidades tradicionais. “Nós temos muito a contribuir com a
humanidade, mas para isso precisamos estar presentes, unindo informação e força para
levar nossas demandas ao mundo. A responsabilidade pela preservação da Amazônia
não pode ser só dos povos indígenas, é uma luta de todos”, afirma.
O governo federal tem acompanhado a situação e, segundo declaração oficial da
Secretaria-Geral da Presidência da República em abril de 2025, “há rigoroso
monitoramento dos preços e práticas abusivas serão combatidas para garantir o acesso e
a representatividade durante a COP30″. Essa posição reafirma o compromisso do Brasil
em garantir a transparência e a inclusão no evento.

Diante dos altos custos de hospedagem e da falta de políticas públicas voltadas para a
inclusão dos povos tradicionais, especialistas alertam que a COP 30 corre o risco de
repetir padrões de exclusão. Para o professor Cristiano, doutor em Sociologia e
pesquisador de dinâmicas territoriais, o evento deveria começar “primando pelo
protagonismo desses povos”, indo ao encontro deles e garantindo espaços efetivos de
decisão. “Pensar um mundo requer um ponto de partida central: os fazedores de outros
mundos”, reforça, ao defender que o olhar econômico não pode se sobrepor à justiça
social e à escuta das vozes que historicamente cuidam da floresta.
Para tentar contornar a crise de hospedagem, o governo já articula alternativas, como a
adaptação de escolas, uso de balsas atracadas no porto e até a negociação com motéis da
cidade para receber turistas e delegações internacionais. A expectativa é que as soluções
emergenciais ampliem a oferta e ajudem a equilibrar os preços antes da chegada dos
mais de 60 mil visitantes previstos para o evento.

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