Como a COP30 pode transformar o interior do Pará

Augusto Miranda /Agencia Pará
Por Trinity Naiobe
A COP30, Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, será realizada ainda neste ano em Belém. Desde a realização da primeira COP, em Berlim, no ano de 1995, as negociações climáticas internacionais evoluíram significativamente visando ações conjuntas para frear as mudanças de clima. Desta forma, algumas COPS se destacam por decisões históricas que marcaram avanços ou retrocessos no enfrentamento do aquecimento global, como por exemplo, a terceira conferência das partes, realizada em Kyoto, no Japão, em 1997, em que na ocasião foi adotado o Protocolo de Kyoto, que estabelece metas de redução de gases de efeito estufa para os países desenvolvidos, consolidando, então, o Japão como referência em políticas de eficiência energética e tecnologias limpas.
Em 2009, na 15º Conferência, a Dinamarca se fortaleceu como líder em energia eólica e políticas de sustentabilidade, após estabelecer a meta consensual de limitar o aquecimento global a 2ºC. Já em 2015, a COP21 fortaleceu a França na sua liderança diplomática no tema climático e impulsionou políticas internas de energia limpa. Logo, para os países anfitriões, sediar a COP serviu como catalisador para avanços internos em políticas ambientais e fortalecimento da imagem internacional como liderança climática.
Nesse contexto, diferentemente dos grandes centros urbanos, onde as discussões sobre clima e sustentabilidade costumam se concentrar, o evento promete colocar o Pará como centro das discussões globais sobre desenvolvimento sustentável e meio ambiente. O Estado é detentor de uma das maiores biodiversidades do planeta, abrigando uma grande variedade de espécies de plantas e animais, incluindo algumas endêmicas raras, como o boto-cor-de-rosa. Mas, ao mesmo tempo, enfrenta grandes desafios ambientais, com o maior índice de desmatamento no Brasil devido à expansão agrícola, mineração, extração ilegal de madeira e pecuária, além de ser o estado com o maior foco de incêndio do país, com número exacerbado de queimadas, principalmente nos últimos anos. A contaminação dos rios, mares e florestas é outro problema ambiental a ser enfrentado, assim como o uso inadequado de energia e água. As comunidades tradicionais que dependem diretamente dos recursos naturais para a sua sobrevivência, seja para atividades culturais, práticas agrícolas ou consumo diário, são as que mais sofrem com os impactos da degradação ambiental, comprometendo não somente seu modo de vida, mas também sua saúde e segurança alimentar.
Ao sediar a COP, Belém espera receber cerca de 50 mil a 60 mil pessoas, incluindo líderes mundiais, chefes de Estado, ministros, diplomatas, ativistas e outros. Diante da necessidade de abrigar esse número de pessoas, torna-se urgente a realização de obras de infraestrutura, porém, o que se observa até agora é preocupante, pois trata-se do avanço do desmatamento em nome dessas obras preparatórias. Essas intervenções ocorrem justamente em áreas de extrema importância socioambiental. Territórios esses que possuem uma riquíssima diversidade cultural, com saberes tradicionais das populações que vivem em conformidade com o meio ambiente, como indígenas, comunidades quilombolas, extrativistas e ribeirinhos, valorizar esses saberes e reconhecer que a proteção da Amazônia não depende somente de tecnologia, é essencial para soluções climáticas eficazes.
Thawy Wyrapina, da Aldeia Paranoá no município de Novo Repartimento e Presidente da Associação IWA (Associação Indígena Iawa), ressalta que é por meio da natureza que vem suas medicinas, seus alimentos e seus matérias de uso diário. “A floresta é o começo de tudo, até mesmo das cidades. Precisamos proteger a nossa Terra. Não podemos destruí-la, desmatar, acabar com tudo. Temos que cuidar da floresta, deixa-la em pé para continuar respirando. É ela que nos dá a vida, é por causa dela que a chuva vem, que o clima se equilibra, por isso que temos que proteger mais a nossa terra”, aponta.
As falas de lideranças indígenas reforçam a necessidade de incluir seus saberes tradicionais nas decisões políticas sobre a Amazônia, afinal, não há voz mais legítima para falar sobre esse território do que as populações que vivem e dependem dele. Entretanto, essas vozes são frequentemente marginalizadas, um exemplo recente do fato é quando o Ideflor, Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade, órgão ambiental do Pará, mudou o conselho da Área de Proteção Ambiental (APA) Araguaia de deliberativo para consultivo, excluindo as pessoas da gestão de seu próprio território. Consequentemente, é exposto uma contradição, pois como o estado pretende garantir a participação efetiva dos povos indígenas se internamente reduz os espaços de decisões dessas mesmas populações?
Segundo o Cacique da Aldeia Mãe Maria, do povo Gavião, localizada em Bom Jesus do Tocantins, no Sudeste do Pará, Zeca Gavião, a organização política e social dos povos indígenas é fundamental para garantir representatividade, direitos e espaço de fala principalmente em eventos como esse. “Hoje nós, povos indígenas, somos importantes e precisamos saber como transformar essa importância em ações eficazes. Por isso existe a FEPIPA, que é a Federação dos Povos Indígenas do Estado do Pará, uma organização que busca conquistar espaço e garantir a liberdade das nossas lideranças. Assim como nós, outros povos da Amazônia também estão se organizando. Temos diversas instituições atuando, como a FEPIPA, a COIAB, a FOIR, a PIB e a AMIGA, que é a organização das mulheres indígenas do Brasil. A estratégia é garantir que tenhamos praticamente 100% de representatividade nessas organizações, com espaço de fala e todos os direitos que nos cabem. É fundamental que todos estejam organizados para isso.”
Por outro lado, algumas vozes críticas, como a da Cristiane Cunha, professora e coordenadora do Nean, Núcleo de Educação Ambiente, enfatiza como o governo vem conduzindo de forma erroneamente os preparativos para a conferência. “O governo do Pará resolveu montar árvores artificiais em Belém. Só isto é recado muito explícito de que a COP não está sendo pensada e planejada para que realmente mudanças de ação sejam realidade. Mas espero que os movimentos sociais, que nós da universidade, que as populações possam fazer o enfrentamento destas questões. Na prática, e ando muito no território, nada vejo dos governos para que as situações mudem. Os recursos para a COP estão sendo destinados para palestras, simpósios, rodas de conversa, para ONGs etc. Não vi ainda no território nenhuma medida real para desenvolvimento econômico sustentável e inclusão social. Posso estar sendo pessimista, mas esta é a realidade que observo”.
Lideranças indígenas que estão à frente dessas organizações enfatizam que vem cobrando cada vez mais do governo para uma participação mais ativa. Piná Tembé, Cacique da Aldeia ITWAÇU, diz que, apesar de não ser todas as comunidades indígenas presentes na conferência, todos estão se preparando. “Estamos organizando uma grande reunião no estado, e eu também vou participar dela. Além disso, vamos fazer um encontro das grandes lideranças da Amazônia brasileira, que será lá em Manaus, para tratar dessas questões. Estamos nos preparando para tudo isso, mas, na verdade, ainda não sabemos quantos indígenas da Amazônia vão participar diretamente da COP. Isso é algo que nos preocupa bastante, realmente nos preocupa.”
Outro ponto fundamental levantado pelo cacique é a ausência de um fundo especifico para a demarcação de terra. “Até hoje, o nosso país nunca teve um fundo específico para a demarcação territorial. Esse é um ponto que queremos levar para debate, porque há muitos indígenas que ainda não vivem em terras demarcadas. São muitos grupos que estão se autodeclarando indígenas, mas o país não possui recursos destinados à demarcação desses territórios. Além disso, a implementação de políticas públicas, como na área da saúde, da educação, as fiscalizações e a proteção das terras são preocupações importantes que temos. Sabemos que, se tivermos nossos territórios demarcados e se o país tiver consciência da importância de respeitar esses territórios, podemos contribuir muito para o enfrentamento das mudanças climáticas”, completa o Cacique.
Diante ao exposto, a lacuna entre as promessas e as ações concretas ainda comprometem a eficácia dos acordos para limitar o aquecimento global. A coordenadora do Nean, assim como os demais ativistas e comunidades indígenas ainda tem muitas dúvidas quanto ao desempenho da realização da COP30 no estado. “Qual desenvolvimento econômico sustentável o governo realmente apoia? Como tem sido o processo de inclusão social? as pessoas comuns vão à COP discutir sobre suas situações econômicas, sobre a crise ambiental? Como as pessoas comuns vão ter acesso a políticas públicas que as possam ajudar a se adaptar as mudanças climáticas? Como os agricultores terão acesso a recursos para irrigar suas plantações? Como estamos, incluindo nós da universidade, inseridos na agenda do clima? A COP 30 veio para cá, mas ela sozinha não nos incluirá nestas pautas”, conclui.
Outro que expressa grandes dúvidas em relação a COP é o Cacique Zeca Gavião: “e, com relação à COP 30, é um evento para uma discussão futura. Como que vai ser implantado esse recurso? Através do jurisdicional para que realmente tenha uma garantia? Mas quantos porcentos vai sair para cada povos? Para cada território, por exemplo, será 14% ou 15%? Como a população vão dividir esse recurso entre si? Esse é um dos pontos que precisa ir para a mesa de discussão, para que, daqui para frente, a gente consiga desenvolver um trabalho que traga, de fato, um resultado positivo. “
Piná Tembé reitera a importância da preservação amazônica como um assunto a ser duramente discutido no evento de discussão climática. “Outra preocupação que temos é que a COP30 precisa levar mais informações para a sociedade brasileira. Não dá para que apenas nós, indígenas, sejamos responsáveis pela preservação do meio ambiente. Muitas vezes somos até chamados de ‘preguiçosos’, justamente porque preservamos e mantemos a floresta em pé. Por isso, precisamos que a COP30 fortaleça a divulgação dessas informações e sensibilize a sociedade sobre a importância da preservação ambiental.”