Quilombolas do Pará relatam como suas comunidades se preparam para a COP30

Por Hellen Guedes
Os quilombolas são povos tradicionais brasileiros, descendentes de pessoas negras que foram escravizadas. O termo “quilombo” se refere aos locais onde esses grupos se refugiavam em busca de liberdade e não eram apenas esconderijos, mas símbolos de esperança e autonomia. Nos quilombos, eles não apenas sobreviveram, mas floresceram e isso é perceptível nas artes realizadas por eles, seja na música, dança e na culinária, que vieram em forma de reafirmação da sua identidade. Por isso que, ao falar da COP30, é necessário que seja incluído no debate a importância de envolver esses povos, seu modo de vida, seus territórios e sua relação com a natureza e o meio ambiente, especialmente quando o enfoque são as mudanças climáticas.
O que muitas vezes é esquecido é que, na sua origem, esses espaços eram autônomos, com suas próprias leis e governanças. A história do quilombo não terminou com a abolição, tanto que hoje, as comunidades lutam por reconhecimento, representando a resistência e a luta do povo negro pela dignidade e pelos seus direitos.
De acordo com os dados do IBGE de 2022, a população quilombola no Brasil é de aproximadamente 1,32 milhão de pessoas e só no estado do Pará, existem 87 territórios quilombolas oficialmente delimitados, que abrigam cerca de 135 mil quilombolas.
Apesar dos avanços legais e constitucionais, esses povos ainda enfrentam grandes desafios para garantir seus direitos e preservar sua identidade e seus territórios. Além disso, sofrem com a discriminação da sociedade marcada pelo chamado racismo estrutural, realidade vivida há gerações dentro das comunidades que se manifesta no difícil acesso a políticas públicas, saúde e educação.
A cultura quilombola é rica e diversificada, composta por influências africanas e brasileiras, que ao longo dos anos colaboraram com a identidade própria da etnia. A luta diária pela inclusão e pela importância de serem ouvidos e por isso a importância da participação do grupo na agenda da COP 30, que vai acontecer em novembro deste ano na capital Belém. A necessidade desses povos na discussão climática, se dá pelo fato de serem guardiões das florestas e dos territórios, junto ao fator de sofrerem com o racismo ambiental, que é aquele resultante de qualquer ato que prejudique a sociedade – isso inclui a contaminação do meio ambiente e a falta de conhecimento de seus direitos – e por conta disso, é de fundamental importância que sejam incluídos também nas discussões e que sejam tratados de forma igualitária.

Quilombola, Dilvandro Freitas tem 49 anos, nasceu em Umarizal e cresceu entre as tradições da comunidade de Joana Peres. Ele relembra com saudade a infância, marcada por brincadeiras, festas e muita alegria. “Não havia violência e a fartura era garantida pela pesca e pela caça, que eram abundantes na região”, comenta.
No entanto, segundo ele, tudo começou a mudar com a chegada da hidrelétrica de Tucuruí. “Espécies de peixes começaram a desaparecer, e, embora o chamado ‘desenvolvimento’ tenha trazido novas possibilidades, também trouxe influências externas que modificaram a cultura tradicional da comunidade”, relata.
Além da perda cultural, Dilvandro destaca os impactos ambientais provocados pelo empreendimento. A chegada da hidrelétrica representou riscos para diversas espécies animais, causou perda de floresta e reduziu drasticamente a pesca, que é uma atividade fundamental para a sobrevivência de comunidades quilombolas e indígenas da região, que dependem dela tanto para a alimentação quanto para a geração de renda.
A comunidade em que Dilvandro faz parte, era uma reserva extrativista antes de ser quilombola, e lá, ainda há sinais de preservação do meio ambiente, prevalecendo esse comportamento em sua comunidade. Concordam que sem o meio ambiente, não seriam nada e é por esse motivo que afirmam que a COP vem para fortalecer a proteção ambiental.
Silvano Santos tem 57 anos e é morador do quilombo Bacabal, no município de Oriximiná, no oeste do Pará. Ele afirma que crescer em um quilombo foi uma experiência muito sofrida, pois lá não havia acesso à educação e o acesso à cidade era de difícil locomoção. Com 15 anos, já atuava como coordenador comunitário e, desde então, segue firme na luta. Ele usa sua experiência como administrador para contribuir no processo de organização das comunidades quilombolas e, segundo ele, hoje a vida no quilombo melhorou bastante.
Sua relação com as comunidades quilombolas começou em meados de 1988, quando participou do primeiro Encontro Raízes Negras na Amazônia e desde então ele segue presente nos movimentos. Ele também participou da criação da Associação dos Quilombolas do Município de Oriximiná, com o objetivo de garantir a efetivação do artigo 68 da Constituição Federal, que assegura o direito à titulação das terras quilombolas.
Em 1995, a comunidade de Boa Vista, no rio Trombetas, conquistou a primeira titulação de território quilombola do Brasil. A partir dessa conquista, iniciou-se uma nova fase de luta para abrir precedentes e garantir a titulação de outros territórios.
Hoje, Silvano não faz mais parte da associação municipal. Ele atua na Associação Estadual Malungu e também está na executiva da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), onde continua comprometido com a defesa dos direitos das comunidades negras no Brasil. Ao ser questionado se ainda enfrenta muitas dificuldades no quilombo, ele afirma que ainda encontra dificuldades quando se trata da questão racial. “O racismo no Brasil é muito forte”, disse.
Lideranças quilombolas confirmaram presença nas discussões da COP 30, por meio de uma articulação promovida pela CONAQ. O objetivo é fortalecer a presença de afrodescendentes da América Latina e garantir visibilidade aos quilombolas brasileiros. No entanto, a participação enfrenta obstáculos como transporte e hospedagem.
Silvano, representante da CONAQ, expressou ceticismo quanto aos resultados da conferência em novembro. “Para ser sincero não acho que a COP 30, para nós, quilombolas, será de grande utilidade”, afirmou. Ele defende que o governo deve apoiar financeiramente as comunidades tradicionais, que historicamente preservam o meio ambiente, mas não recebem reconhecimento por isso. Com as mudanças climáticas, os quilombolas já sentem impactos diretos em suas colheitas, antes sustentadas por métodos naturais. A comunidade quilombola pede que a COP 30 resulte em políticas concretas e um plano de apoio real aos povos tradicionais diante da crise climática.
Manoel Filho, de 28 anos, é residente da comunidade quilombola de Umarizal, em Baião, no Pará. Atualmente, contribui diretamente para a comunidade através de algumas palestras e levando alguns professores para que possam falar também sobre a perspectiva da COP 30 para a comunidade. Hoje sabemos que o povo quilombola tem o direito territorial e de participação ativa nessas decisões climáticas internacionais.
Atualmente, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) está articulando para que seja incluída a demanda quilombola na COP 30 e essa articulação tem gerado um grande efeito participativo, com pequenos eventos de mobilização e incentivos para que a comunidade quilombola brasileira participe.
Ao ser perguntado o que gostaria que fosse levado para a COP 30 em nome dos quilombolas, ele responde que seu povo precisa de reconhecimento. “A importância da justiça climática e também do reconhecimento territorial e cultural pleno das comunidades”. Outra pauta que é importantíssima de levar é a questão da regularização fundiária, que é urgente para a defesa e a proteção do território quilombola, bem como levar a inclusão efetiva nos processos decisórios, tanto nacionais como internacionais.
Manoel acredita que a COP 30 é uma porta que se abre, onde os quilombolas podem levar essas reivindicações para que todo o mundo tenha consciência de que a comunidade quilombola importa e que é importante trazer investimentos para as comunidades guardiãs da Amazônia, para que possam desfrutar de sua cultura e territorialidade. A conferência também serve para denunciar as ameaças constantes que existem contra líderes quilombolas em todo o Brasil.
Deleon Vieira, de 35 anos, é morador do Quilombo Umarizal Beira, localizado no interior de Baião, na margem esquerda do Rio Tocantins. Sua relação com o quilombo vem do sentimento de pertencimento e das ações que desenvolve ao longo de sua trajetória acadêmica e como membro ativo da comunidade. Ele participa de movimentos sociais ligados à causa quilombola. Sobre os processos relacionados à COP 30, Deleon afirma que deveriam ser mais abrangentes e considerar melhor as comunidades originárias, como os povos indígenas e os quilombolas. “A organização precisa considerar os nossos valores, inclusive no aspecto prático, como garantir o deslocamento das pessoas para participarem do evento”, explica. Ao ser questionado sobre os efeitos das mudanças climáticas no território em que vive, ele responde que eles afetam não só o território quilombola, mas todo o nosso país.
Ele ainda complementa que dentro das comunidades é possível perceber com mais clareza os impactos das mudanças climáticas, principalmente por causa das queimadas. Deleon conclui dizendo que a COP 30 pode trazer para o interior do Pará grandes avanços sociais a partir das articulações políticas e, por isso, se mostra esperançoso.
As mudanças no clima têm tido um impacto grande na seca de rios e igarapés, mexendo bastante com o equilíbrio natural dos ecossistemas. Além disso, o desmatamento – especialmente aquele causado pela extração ilegal de madeira – piora ainda mais essa situação, deixando o solo mais seco e difícil de regular a temperatura do ambiente.
Esses problemas afetam a vida das pessoas que moram nessas regiões, impactando a qualidade de vida da população. Comunidades tradicionais, como os quilombolas, que dependem totalmente da terra e dos recursos naturais para sobreviver, acabam sendo atingidas por essas mudanças. Por isso, é importante levar essas temáticas sociais à COP 30 em Belém. O estado do Pará, assim como várias partes do mundo, está passando por crises climáticas cada vez mais graves e urgentes e debater sobre tudo isso, é um passo super importante para encontrar soluções sustentáveis e eficientes, que ajudem a diminuir os danos ao meio ambiente e garantir um futuro mais tranquilo para as próximas gerações.
