Povos indígenas do sudeste paraense denunciam falta de representatividade na COP30

Fotos Públicas/Roberto Castro/ Mtur
Por Eduarda Castro
Mesmo sendo parte da Amazônia, povos indígenas do sudeste do Pará denunciam exclusão das articulações para a conferência climática da ONU. Suas vozes, silenciadas pelas estruturas estatais, agora ecoam por meio das universidades e da resistência comunitária.
Em 2025, o Brasil sediará a COP30, o maior evento climático do mundo, e a Amazônia será o centro das atenções. Belém receberá delegações de quase 200 países para discutir o futuro do planeta. Mas, no sudeste do Pará, região também amazônica, marcada por conflitos fundiários, pressão do agronegócio e expansão mineral, os povos indígenas ainda não sabem se estarão lá, nem como.
A ausência não é casual. Ela é fruto de décadas de invisibilização institucional, de um projeto de Amazônia centralizado e midiático que ignora suas margens, mesmo quando essas margens são habitadas por quem há séculos protege a floresta, e o discurso da sustentabilidade, quando não acompanhado de escuta e ação concretas, vira encenação.
Seguindo o que a escritora indígena Graça Graúna chama de tecido de vozes, esta reportagem reúne falas de diferentes povos Suruí Aikewara, Gavião e Tembé. Que revelam as múltiplas exclusões e as formas de resistência dos povos do sudeste paraense.
“A gente quer, de fato, ser protagonista dentro da COP30, e não estar lá simplesmente sendo usado como manobra. Queremos levar a nossa problemática e que de lá surjam soluções reais”, afirma Yrykwa Suruí, cacique da aldeia Akamassyron, povo Suruí Aikewara, na Terra Indígena Sororó.
A Terra Indígena Sororó abriga oito aldeias do povo Suruí Aikewara. Segundo Yrykwa, não houve qualquer convite formal ou diálogo por parte do Estado sobre a participação na conferência. Nem uma reunião. Nem uma escuta. “Não está sendo levada em consideração a fala dos caciques. Levam um parente e dizem que ele representa todos. Mas cada povo tem sua cultura, sua língua, sua realidade. Não somos todos iguais”, reforça.

Diante do abandono, lideranças têm recorrido a alianças com universidades públicas, como a UNIFESSPA, e organizações como a Frente de Defesa do Território, mas a tentativa de inserção é frágil e não substitui políticas públicas.
O Estado do Pará possui mais de 60 povos indígenas, distribuídos em regiões com realidades completamente distintas. Essa falta de planejamento territorializado denuncia um processo de centralização simbólica e política da Amazônia em torno da capital. Belém vira o palco, mas quem vive na floresta não sobe.

Como propõe o pensador indígena Ailton Krenak, em Futuro Ancestral (2022), os povos originários não querem apenas um lugar na mesa, eles questionam a própria mesa. Krenak propõe uma ruptura com os modelos de poder que excluem a Terra da equação política. Ele afirma que os povos indígenas são parte viva do planeta e que a crise climática não será resolvida sem conexão entre o humano e a natureza.
Ailton Krenak, pensador indígena, é um dos juízes que compõem o Tribunal Internacional de Direitos da Natureza (Foto: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real)
Nesse sentido, as falas dos caciques entrevistados denunciam ausência e projetam alternativas.
“Queremos falar para o mundo o que estamos vivendo hoje. Nossa realidade, as mudanças climáticas, e o que realmente precisa ser feito. Um compromisso real, não só discurso”, afirma Yrykwa.
Piná Tembé, da aldeia Itwaçu explica que a COP será dividida entre zona azul (negociações oficiais, com tradução limitada e passaporte obrigatório) e zona verde (espaço de movimentos e debates), porém só 500 pessoas terão acesso à zona azul. “Achávamos que cada aldeia teria um representante, mas não é assim. Vai ser uma discussão nacional, coletiva”, enfatiza.
Esse detalhe técnico se tornou um obstáculo. Muitos indígenas não têm passaporte por falta de documentação, dificuldade de deslocamento ou custo para emissão. O resultado é que mesmo com evento sendo sediado em território ancestral, muitos ficam de fora por não atenderem aos critérios exigidos.
Concita, representante da FEPIPA, reconhece que há articulação com COIAB, APIB e outras entidades nacionais, mas também admite a desorganização. “Está tudo uma incógnita. Pensamos em montar uma grande tenda, no estilo do ATL (acampamento terra livre), com temas e debates, mas não sabemos quem vai poder ir, a maioria dos parentes não tem passaporte, e a COP é internacional”, acrescenta.
Segundo Concita, a maioria dos parentes não tem passaporte, e a área central da conferência (zona azul) exigirá documentação internacional. A chamada zona azul, é um espaço oficial de negociações entre chefes de Estados e delegações internacionais
A participação indígena nas COPs tem crescido nas últimas edições, no entanto, ainda enfrenta barreiras estruturais significativas. Na COP28, realizada em Dubai em 2023, mais de 300 lideranças indígenas estiveram presentes, esse foi o maior número já registrado. A questão é que a maioria teve pouco ou nenhum acesso aos espaços oficiais de decisão. Segundo relatório da InfoAmazonia (https://infoamazonia.org/2023/12/15/indigenas-tem-maior-participacao-de-todas-as-cops-e-agora-querem-estar-nas-mesas-de-negociacao), apesar do crescimento numérico, a atuação indígena continua restrita, em muitos casos, a eventos paralelos, sem credenciamento pleno, sem tradução adequada e sem escuta efetiva das propostas levadas pelos povos.
A ausência de povos indígenas do sudeste do Pará nas articulações da COP30 revela um erro de logística e evidencia o modelo de governança ambiental excludente que ainda rege o país, que fala em transição ecológica, mas resiste a escutar os que vivem e cuidam da terra há milênios.
O cacique Zeca Gavião da Aldeia Mãe Maria enfatiza que é preciso uma articulação entre os povos. “Se não nos organizarmos, a COP vai passar e seremos esquecidos”, afirma.
Gavião alerta que, sem organização interna, os povos podem ser usados como selo de legitimidade em políticas que os prejudicam. “Estão introduzindo uma lógica individualista, isso não é da nossa cultura, e quando chega dinheiro de projeto, gera divisão”, ressalta. Ele defende que 15% dos recursos do mercado de carbono sejam destinados diretamente às comunidades, respeitando a consulta prévia, livre e informada, e cobra a criação de um marco legal sobre o sequestro de carbono. “Se assinarem uma lei sem nossa participação, ela vai nos amarrar”, conclui.
Diante desse cenário, Yrykwa Suruí propõe que a participação indígena na COP30 parta de uma escuta real das bases, e não apenas de convites institucionais ou representações isoladas. “Deveria haver uma escuta, e, a partir dessa escuta, criar uma carta com a assinatura de todos os caciques, para que se chegue a um consenso, considerando as realidades diferentes de cada território, de cada povo.” O cacique acrescenta que é preciso colocar em evidência o modo de vida dos povos indígenas. “Queremos falar para o mundo o que estamos vivendo hoje: nossa realidade, as mudanças climáticas, e o que realmente precisa ser feito. Um compromisso real, não só discurso”, enfatiza.
A COP30 pode ser histórica, mas só será transformadora se incluir as margens. Os povos indígenas não são coadjuvantes na luta climática, são protagonistas étnicos e territoriais. São eles que enfrentam o avanço do garimpo, do gado e das monoculturas todos os dias. Como denunciam, negar-lhes a escuta, o espaço e a palavra é descuido e racismo ambiental.
Em resposta à reportagem, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) afirmou que, junto ao governo federal, está organizando ações para que a COP30 tenha a maior e mais diversa participação indígena da história. Segundo a assessoria de comunicação do MPI, a principal iniciativa é o Ciclo COParente, uma série de 14 encontros pelo país que visa articular, informar, debater e mobilizar os povos indígenas para o evento climático.
O ministério afirma que a iniciativa promove a escuta ativa e o protagonismo indígena, com foco prioritário na região amazônica, em diálogo com organizações como a APIB, a COIAB e a ANMIGA. O Ciclo COParente também compõe o Ciclo dos Povos, estrutura vinculada à presidência da COP30 e coordenada pela ministra Sonia Guajajara, com a missão de garantir a escuta dos movimentos indígenas em temas como credenciamento, agenda e negociações.

Sobre a participação de regiões com menor articulação institucional, como o sudeste do Pará, o MPI informou que todas as organizações de base podem indicar lideranças para participação no evento. O ministério reconhece que há desigualdades territoriais nas COPs anteriores e afirma estar construindo a maior delegação indígena da história, com representação de diferentes biomas e povos do Brasil. A respeito da exigência de passaporte para ingresso na zona azul da conferência, o MPI explicou que, por se tratar de território das Nações Unidas durante o evento, o documento é obrigatório e sua obtenção é de responsabilidade individual. No entanto, garante que está articulando a criação de uma delegação oficial indígena, com apoio logístico e institucional. Também foram anunciados dois pavilhões indígenas, um na zona azul e outro na zona verde, além de alojamentos específicos para os participantes.
O MPI ainda destacou o Programa Kuntari Katu: Líderes Indígenas na Política Global, que capacita lideranças para participar de negociações internacionais sobre meio ambiente, clima e direitos humanos. O programa conta com 30 indígenas de todo o país, incluindo dois representantes do Pará, um do povo Kayapó e outro do povo Guajajara.
Apesar das ações anunciadas, nenhuma das lideranças ouvidas nesta reportagem foi envolvida diretamente nas etapas do Ciclo COParente ou consultada na organização da delegação indígena.